O nascimento da Anis :: por Cinthya Garcia

Published by Denise Cardoso on

O começo da história

Vou começar do princípio. No princípio era o ventre. Então vou contar sobre minha gestação e depois sobre o parto, porque acredito que o parto é parte ou fim de uma história que se inicia na concepção, ganha forma na gestação e se conclui no nascimento.

Desde o começo da gravidez eu já  sabia que esperava uma menina, assim como da outra vez também  já sabia que era um menino. A gravidez, quando aceita e vivida com amor, aguça a sensibilidade espontânea. É como se um saber natural das coisas e dos sentimentos se instalasse em você. Mas não é do saber da razão que estou falando, é um saber dos sentidos, é uma sintonia com a existência viva, um estado permanente de conexão e interação com a natureza.

Um estado sublime que anda de mãos dadas com o divino. Um estado de clareza, de iluminação.
Por isso grávidas são tidas como iluminadas….um brilho brota do olhar, acho que ainda mais de dentro, brota do âmago, brota da alma. 

Foi assim que me senti durante toda a gestação da Anis. Fiquei mais calma e radiante, mais sensível, mais em contato com o meu corpo e com o que realmente importa. Aprendi a amar mais.

Diminui o ritmo na intenção de desfrutar mais do aqui e agora. Estabeleci como meta viver mais pausadamente, porém com intensidade, estando realmente e inteiramente presente na vida, nos acontecimentos, experimentando de maneira tranquila e sem pressa cada fase na evolução da gestação.

Isso  significa que  me mantive ativa com minhas obrigações oficiais. Significa que fiquei com a intenção de viver com mais sabedoria, aproveitando e respeitando  o tempo das coisas.

E assim fiz, e assim foi.
E pra sinalizar minha não pacatez na vida, ou para demonstrar que as atividades cotidianas não param, mas podem ser vivenciadas devagar e com respiração completa…….. mudei de trabalho, mudei de cidade, mudei de casa, mudei o assunto e o tema da minha dissertação de mestrado. Me instalei na minha nova e velha cidade, em uma casa cheia de história e estória, com a  sensação de contentamento e reconexão com minhas raízes. 

Trabalhei até o 7˚ mês de gestação, escrevi minha nova dissertação em tempo recorde e dentro do tempo, finalizei meu mestrado e Pari….. na tradição das ancestrais parteiras, com rezas, cantigas e rituais, simbolizando e reverenciando cada etapa…. da maneira que desejei, da maneira que faz sentido pra mim. Em casa, onde me sinto livre e segura, no meu canto, no meu templo, onde cultivo minhas plantas, onde monto meu altar, onde coleciono minhas artes, meus livros, onde me retiro pra meditar, onde estudo, onde faço tudo e onde me permito fazer nada. 

Pari de forma plena, ativa, entregue, natural, com apoio, com amor, com respeito, respirando, contente e feliz! Experimentei dores profundas, tão profundas quanto de onde brota a iluminação. Parir, pra mim, foi experimentar meu corpo no auge, no ápice, no alto do cume de um lugar silencioso e concentrado.  Um lugar transgeracional, sagrado e milenar. E é de lá desse lugar que não tem palavra que falo agora.

O dia do parto

Bom, o dia do parto torna-se de repente dia do parto. Eu não fazia idéia  que seria naquele dia o dia do parto, e fui processando todos os sinais aos poucos…..

“Coincidentemente” e afortunadamente, eu tive retorno com meu médico querido no dia que se tornou ” o dia do parto”. Tudo começou de manhã, me recordando de alguns sonhos e notando uma certa diferença no meu corpo. Um tampão mucoso nunca dantes visto estava se apresentando delicadamente a mim, tão delicadamente  que demorei para captar seus sinais evidentes. Fui para o médico querido  logo depois do almoço, fizemos ultra-som e ele me disse que Anis estava se encaixando, por isso a presença do tampão.

Ok, voltei para minha casa, que também afortunadamente fica a apenas dois quarteirões do médico querido. Cheguei em casa e fui contar pro meu amado que Anis estava se encaixando, quando de repente aguas profundas que movem moinhos caíram no chão, não tão delicadamente.

Eu, já inteiramente absorvida pela intenção do seguir devagar a vida, mandei calma e tranquilamente mensagens para as parteiras, comunicando o fenômeno ocorrido.
Elas me disseram: – Ok flor, estamos indo praí (uma das parteiras estava a 3 horas de distância de minha cidade).
E eu falei:  – Caaaalmaaa, vamos esperar mais um pouco!!!! (percebam que nesse momento a pacatez realmente invadiu meu ser), pode ser que não seja nada!!!
E elas disseram : Flor, estamos indo mesmo assim…. É claro que elas já sabiam de tudo….eu é que estava lentificada deveras.

Continuei fazendo minhas coisas, e fui aos poucos realmente percebendo que eu estava em trabalho de parto. As águas que movem moinhos não paravam de sair, as contrações começaram a ficar muito perceptíveis, aumentando gradualmente. Esse início ainda é beeem suave, continuei fazendo minhas atividades caseiras, lavei roupa, recolhi roupa do varal, estendi roupa no varal, chupei fruta, bebi água, muita água, e novamente afortunadamente, para minha surpresa, levei uma picada de abelha no  dedo, rsrs .  (pode parecer estranha essa parte mas logo fará sentido).

Como não sou alérgica, não me desesperei (olha que novidade!), e aguardei calmamente a chegada das parteiras. Até pensei junto de meu filho:  – Olha, como sou sortuda, acabei de receber uma dose de anestésico e antibiótico natural (nessas horas é sempre bom manter o otimismo)!

A chegada das parteiras

Conversando sobre a picada de abelha, a parteira da tradição me disse que a abelha é símbolo do trabalho em conjunto, de coletividade, da organização…… ou seja, a abelha abriu os trabalhos. _ Que maravilha, eu amo esses sinais da vida, eles me mostram quando estou no caminho certo!!! E fico achando que o desafio ou o aprendizado da vida é “ler os sinais”…..~*~….. Eu amo ler os sinais!!!

…. Ainda compreendendo todos os sinais, me recordando dos meus sonhos simbólicos da noite anterior e recebendo massagem da doula e das parteiras. Eu ainda não sabia de nada, inocente!!!
E me mantinha, com calor, com muito calor, sorrindo, afinal………..UUUUauuuuuu, eu vou Parirrrrr!!!!!Isso é Seeeensacionalllllll!!!!!!!Iuhuuuuuuuu!!!!

Em êxtase porque vou parir!!!!!!

Masss, como em toda evolução de um trabalho, é necessário uma certa  introspecção, é necessário a concentração, o centramento. É necessário calar-se para se ouvir, é necessário se voltar pra dentro, estar dentro e fundo…é de lá que vem!

Desse lugar silencioso e dolorido de onde estou, e de onde me reconheço agora, apenas o que quero é massagem, massagem, massagem….. profunda, profunda, mais profunda. A lua cheia estava no céu,  a Luna na janela, quieta observadora de toda magia que estava acontecendo. Theo já estava dormindo, A casa era absoluto silêncio, apenas o som do meu respirar.

Quero todos ao redor de mim, quero todas as mãos, toda vibração, todos os alívios, não quero nenhuma palavra. Quero gestos sem palavras, quero contato. Tudo deve ser muito profundo, silencioso e profundo.

Quero a companhia amorosa do meu amor, sem palavras ele sabe do que eu preciso. Preciso do seu toque, preciso que caminhe comigo, que continue a caminhar comigo, que me dê apoio e que não saia do meu lado…..

Durante a gestação eu lia sobre parto ativo, eu sabia que o meu seria ativo, eu me mantive ativa e disposta durante todo o ciclo da gravidez.  A atividade dissipa a dor, percebia que quando eu caminhava, eu buscava, eu cavava dentro de mim o espaço pro nascimento, eu reunia a força ancestral necessária pro nascer, pra trazer vida. E me silenciava cada vez mais, e mais….

Eu só quero e apenas  preciso que caminhe comigo, preciso de apoio e sustentação, o resto pode deixar que meu corpo sabe o que fazer. Ele não tem dúvidas, ele tem uma sabedoria inata tecida com vigorosidade.

Uma natural vontade de estar dentro da água se manifesta. A água conforta tanto,  a água conduz tão bem, dita o ritmo, nutre a pele, silencia ainda mais, traz mais pra dentro e relaxa.

Mas eu precisava cavar, cavar mais e buscar, precisava andar pra encontrar e suportar  esse lugar que é tão dolorido, tão impetuoso, ousado e divino. Caminhar é preciso…. Me perco das horas,  me desconecto do mundo do tempo, só existe meu corpo, minha dor, regendo com maestria instintiva toda sinfonia que precede o nascimento.

Nesse momento de tamanha profundeza, preciso da força das mulheres que estão comigo
Preciso da sua força anciã.
Dos seus saberes sem palavras.

O tempo caminha sem tempo, e eu já posso sentir sua chegada, eu já sei que você está ali, pronta pra nascer, pronta e com força pro mundo. Agora só preciso ajudar, preciso de todas as forças que foram reunidas até agora. 

Agora é trazer ao mundo. 

A mente está no lugar certo, no lugar de abertura, de conexão e expansão.

De cócoras, inclinada pra trás. 

Depois de muito cavar, foi assim que me achei.

Siente, el momento llega, lo divino estas contigo.
Siente, tus huesos son fuertes, madre de todos nosotros
Siente, estas em buenas manos, tienes lo que necesita
Siente, estamos ayudando
Y eres parte de la tierra

A hora que se segue ao nascimento, é  a hora sagrada, é a hora de cura, lugar de conserto, lugar de presença. Somos só nós, em comum unidade. Somos só emoção em gesto.

A primeira vez que olho nos seus olhos. 
A hora de ouro!
The sacred hour!!!
Eu te reconheço, você me reconhece. Eu te abençoo, você me abençoa.
E juntas entoamos preces de gratidão. Eu te dou a vida, você me dá vida.
E pulsamos juntas.

Extraio tanta alegria só de observar. 
Já dançamos horas suficientes pra nos conhecermos.

Em completo estado de transe,  pico de ocitocina, experimento a melhor sensação do mundo!
Sensação de completude, de gratidão, de mais força, de vitória.
Me sinto a rainha do universo!

O corpo se lembra de tudo. O corpo irá se lembrar de tudo pra sempre
O corpo se lembra antes de ter palavras
O registro está na pele
Olfato e contato

Toda a equipe reunida, celebrando o nascimento, celebrando a vida.
O nascimento foi feito pra funcionar, sem segredo e com mistério.
Com luz, com sacralidade e com puro amor.
Sou gratidão eterna a esse jardim.
Ohm!!!

Há que se afinar o corpo até o último sempre. Exercer-se como instrumento capaz de receber a poesia do mundo. Poesia suspensa em rotação e translação. Movimentos moderados, alinhavando em dias e luares, estações e colheitas, minutos e milênios, provisoriamente.

Bartolomeu Campos de Queirós

%d blogueiros gostam disto: