Dona Justina, a parteira da minha avó
2012. Domingo, 13 de maio, dia das Mães. Eu e Anahí fizemos pinturas e mãozinhas pra presentear as avós. Ravi, com quase quatro meses, divertindo com a nova conquista de segurar os pezinhos e puxar as meias. Depois do almoço, minha avó Dora, veio mostrar a foto da sua parteira, e ficaram a me contar, minha avó e mamãe, sobre a parteira e os nascimentos.
“Perfeccionista”, é a primeira palavra pra descrever a mulher que acompanhou o parto de seus quatro filhos. Dona Justina, como era conhecida a italiana Justina Venchiarutti Bortone, Já havia acompanhado partos da sua mãe, a minha bisa Palmyra, desde 1948, no nascimento de sua filha Maria Helena. Era muito considerada e indicada pelos médicos, nas décadas de 50 e 60 em Bauru.
No cuidado do parto, com a parturiente, Justina era “super amorosa, mas com quem a estava ajudando, era muito exigente e, até, autoritária” avalia minha avó. A bacia de alumínio que seria usada para dar primeiro banho no bebê após o nascimento deveria ser ariada várias vezes, até que ela ficasse brilhante do seu gosto.
Minha bisa ou a tia Cida, que sempre ficavam nessa função nos partos da minha avó, atribuição que atualmente é atribuída à doula no auxílio da parteira. Tia Cida morava em Pirajuí, mas vinha para Bauru para acompanhar os partos. Foi “uma companheirona”, como chamou minha avó. Eu lembro ainda, de quando criança, ir à Pirajuí visitar Tia Cida, entre pinturas e jabutis. Tão amorosa, Tia Cida tinha um forte espírito maternal, estando sempre a ajudar nos nascimentos da minha família.
Como morava em outras cidades na época que teve seus filhos (Tietê, Laranjal Paulista e Iacanga), um mês antes da data prevista para o parto, minha avó já vinha para Bauru, e logo que chegava ia fazer uma consulta com a parteira que, segundo ela, “já dizia quando ia nascer e passava uma lista de coisas pra providenciar pro parto”.
A hospedagem nos meses de licença-gestante e após o parto era na casa de sua mãe, minha bisavó Palmyra e era no quarto dela, “onde tinha uma cama de casal boa” que nasciam os bebês e ali ficavam, mãe e filho “de dieta” por 40 dias. Sobre a dor, minha avó conta: “Eu tive parto natural. Eu senti dor, porque lembro de agarrar assim (com os punhos cerrados mostra como se segurava na cama). Claro que eu sentia dor, mas era coisa que.. bom, pra mim não foi demais”. E sobre Justina ela fala que sentia-se muito bem com ela, e é muito claro perceber o carinho que sente quando fala da parteira que esteve com ela nos partos de seus quatro filhos: “quando ela tava cuidando de mim, era como se fosse uma mãe”.
Muito risonha e brincalhona, Dona Justina brincava de adivinhar o sexo dos bebês e minha avó não se lembra dela ter errado alguma vez. Lembra-se da parteira chegar com uma pequena malinha, dela colocando as luvas, fazendo massagem com óleo, aferindo a pressão e auscultando o coração e prestes a nascer o bebê, a parteira da minha avó falava carinhosamente “olha, já tô vendo, já tô vendo, faz forcinha, faz forcinha que ja já sai”. E depois “aquela delícia, né? De ouvir o choro do bebê”.
Depois do nascimento, “coisa mais deliciosa” como minha avó define a “dieta”, ficava sempre deitada, raramente ia compartilhar à mesa alguma refeição, e durante quarenta dias ficava no quarto, com o bebê no bercinho ao lado, só amamentando e tendo a companhia da mãe, tias, irmãs… A parteira vinha visitá-la em casa e dava o banho no bebê até que caísse o umbigo, que ficava enfaixado. Dona Justina também preparava os banhos de assento para minha avó, até que a liberasse para tomar banho no chuveiro.
A “dieta” incluía canja quase todas as noites e muito leite “para dar leite” e nada de carne de porco, tudo de acordo com as recomendações da parteira, “uma santa mulher, pra mim era uma santa” diz minha vó. E foi lá na Casa da Bisa, na Rua Antonio Alves, quadra 20, foi onde nasceram meus tios, tias e minha mãe e no jardim estão enterrados os seus “umbiguinhos”. Aquela prosa que coloca todo mundo a lembrar do passado e a suspirar, de história contada com amor e sorriso, com saudades sem fim… Quero honrar às mães, irmãs, tias, avós que ao acolherem seus filhos, sobrinhos, netos e bisnetos constituíram minha família, àqueles que as auxiliaram nos seus partos e todos meus antepassados. Honras e amor por todos aqueles presentes nas nossas lembranças e saudades, hoje e sempre.