O nascimento da Alice :: por Bruna Hamer
Esta história começou há muito tempo atrás. Mais precisamente há 24 anos, 4 meses e 4 dias: no dia do meu nascimento. Sou filha de um parto normal, cresci ouvindo minha mãe falar tranquilamente sobre minha chegada e aprendendo a acreditar na força de uma mulher.
Sempre fui grata à minha mãe pelo meu nascimento. Quando me descobri grávida senti o desejo forte de oferecer à minha filha a possibilidade de chegar a este mundo por suas próprias forças. Meu companheiro, muito fiel, me apoiou e incentivou integralmente fortalecendo minha auto-confiança.
A gestação fluiu com muita leveza, muitas alegrias e transformações na espera da pequena Alice. Encontramos todo o amparo e suporte possível: uma obstetra amorosa e consciente, grupo de apoio a gestação, hidroginástica para gestantes, yoga para gestante, orientações da doula durante a gestação, muita informação, acompanhamento emocional com florais, presença de mães amigas compartilhando suas experiências e nos encorajando.
Toda esta rede de apoio me ofereceu uma visão mais realista do dito parto “normal” e pude entender que na verdade buscava um parto natural humanizado: em que eu e minha filha pudéssemos ser protagonistas deste evento marcante em nossas vidas com todo o suporte conforme nossas necessidades, sem que me visse submetida à uma sequência de procedimentos padrões e desnecessários.
A possibilidade de um parto domiciliar a princípio me pareceu muito “radical”, pois já estava bastante satisfeita com a existência de um hospital com sala para parto humanizado. Algumas amigas me incentivavam alegando o ambiente de intimidade de nosso lar, a segurança e conforto que sentimos em nosso próprio espaço e o respeito às escolhas do casal. Em todas as espécies qual o local escolhido pelas fêmeas para parir? A toca! É seu reduto, seu território, seu espaço. Onde seu corpo se sente protegido e pode trabalhar livremente.
Fazia muito sentido para mim, mas só tomei a decisão no dia que fui conhecer o hospital. Quando solicitei à recepcionista conhecer a maternidade logo recebi diversos papéis com informações sobre o que levar para a maternidade, pacotes de serviços fotográfico para o parto e orientações para ser atendida por determinado pediatra pois “ele que está no hospital de manhã”. Como assim de manhã? Eu não sabia que horas minha filha iria nascer!!! “Ah, você vai tentar normal?”, esta pergunta sempre me soou como uma afronta! O hospital apesar de ter estrutura para o parto natural tem pouquíssima procura por este serviço. Para mim foram uma série de desencontros: havia uma sala de parto, mas com cara de hospital, com cara de esterilizada e sem muita intimidade; ninguém sabia me dizer para quem entregaria meu plano de parto, a funcionária sugeriu que eu combinasse com a médica, o que era óbvio, porém considerando o período de um trabalho de parto a presença do médico não é integral e quem me receberia no hospital desconheceria minhas decisões – para que ter um plano de parto se a equipe hospitalar não toma conhecimento do mesmo?; o pediatra responsável pela maioria das recepções por estar presente no turno das cesáreas agendadas se mostrou contrariado diante de minha insistência em saber todos os procedimentos do primeiro atendimento, como se isso não fosse da minha conta!
Saí do hospital com a clara impressão de que a partir do momento em que desse entrada com um prontuário “parturiente” seria levada por uma série de procedimentos que como uma linha de produção cumpririam diferentes etapas para entregar-me no final a minha filha. O hospital, apesar da estrutura para parto humanizado, ainda mantinha uma grande parte da equipe distanciada desta realidade.
A partir deste dia fortaleci dentro de mim este desejo, e decidi, juntamente com meu companheiro, pelo parto domiciliar.
Nossa médica nos surpreendeu (como sempre) com a abertura para nosso desejo e combinamos que iniciaríamos o trabalho de parto em casa e qualquer necessidade faríamos uma transferência para aquele mesmo hospital ainda com a possibilidade de parto natural.
Neste mesmo dia um passarinho fez um ninho na janela do quarto da Alice. Nossa casa já era um ninho!
Recebemos todas as orientações da doula quanto ao processo do trabalho de parto como também ao que precisaríamos providenciar. Com a chegada da 37ª semana a expectativa passou a ser diária por algum sinal que nos mostrasse que era o momento.
Acertamos que no momento do parto estariam presentes: o Thiago, minha mãe – para mim a presença dela era como um lembrete “Ela já fez isso por mim, eu já vivi isso com ela, agora vou viver novamente”, a doula, a obstetra e a pediatra. Duas pediatras estavam envolvidas para o caso de uma delas não poder comparecer no momento do parto.
Fazia hidroginástica todos os dias, yoga, alongamento diário, exercícios para o períneo, escrevia em meu diário, conversava com a Alice para que se sentisse confiante e escolhesse sua hora.
Com 39 semanas e 6 dias tínhamos uma consulta. O exame de toque: 4 dedos de dilatação e colo grosso! Uau! Alguma coisa estava acontecendo! Sutilmente a Alice estava chegando. A médica fez o descolamento da membrana para estimular.
No dia seguinte acordei com uma cólica bem leve. Caminhei, assisti um filme de comédia, dormi, namorei, conversei com a Alice… às 19h30 o tampão saiu. Opa! Mais um sinal, parecia que agora estava mais perto.
Ainda sim estava tranquila, as cólicas seguiam na mesma intensidade. As 22hs meu marido saiu para tocar e fiquei deitada na cama. Até ser surpreendida pela primeira contração às 22h25 – que me fez pular e ficar apoiada nos joelhos. Fui para a sala e tentei contar a frequência das contrações, depois de 10 minutos liguei para a doula: “Acho que não estou sabendo o que é uma contração, estão de 3 em 3 minutos!”. Ela disse que viria para minha casa.
No pouco tempo entre uma contração e outra comecei a ajeitar a sala: colocar o rádio, acender o abajur no canto… 22h45 uma vontade de ir ao banheiro, no meio caminho uma contração forte e quando me abaixei a bolsa rompeu. “Acho que agora é mesmo!”.
Liguei para a médica, minha mãe e meu marido. Meu pai veio junto no pacote! Logo que chegou a doula sugeriu que fossemos para a bola no chuveiro. O Thiago ficou fazendo massagem nas minhas costas sob a orientação dela. Não sentia o tempo passar. A cada contração vocalizava “Ah” me concentrando na abertura. O Thiago repetia comigo e muitas vezes fazia sons em tons diferentes transformando o momento em música. Depois me sentei em um banquinho e respirava soltando o ar fortemente pela boca durante as contrações. Ele respirava comigo e olhava fundo nos meus olhos o tempo todo. Seu olhar me transportava para dentro de mim mesma. Não era dor o que sentia. Era força! Muita força! Ele foi encontrando a música da Alice: “Vem Alice vem cantar, Papai, Mamãe vão te abraçar. Vem Alice vem sonhar, pra vida se manifestar”. A médica chegou. Foi uma alegria vê-la! Ela passou a ouvir os batimentos da bebê e fez um toque: 9 centímetros! Em pouco tempo já estava na banheira pronta para o período expulsivo. A fase de dilação durou pouco mais que 2 horas.
Na sala, a banheira com água morna e uma mandala azul no fundo, penumbra, silêncio… Sentia-me muito relaxada. As contrações eram agora diferentes. Menos intensas. A vontade de empurrar foi surgindo e eu mantinha o contato nos olhos do Thiago nas contrações. Algumas sugestões de posições, de como orientar minha força. Até que descobri em mim a vontade de gritar! Eu não esperava gritar… O grito não é de dor, é de força! Foi encontrar em mim a força de mulher. Conversávamos com a Alice “Vem filha, estamos esperando por você”.
Comecei a senti-la cada vez mais próxima quando entre as contrações colocava o dedo dentro de mim e sentia algo muito duro: era ela! Até que ela começou a aparecer! Até um espelho para que eu visse foi colocado! Neste momento senti a dor da abertura, algo em mim ainda parecia resistir. Minha mãe olhava de frente em silêncio. Todos estavam animados mas eu sentia como se estive faltando algo, a força que eu fazia não parecia que ajudava. Foi quando minha mãe durante uma contração deixou escapar “Vai Bruna!”, ao mesmo tempo eu pensava “Vem Alice!”. Olhei para ela, “Estou precisando fazer uma força como você, né mãe?”, ela me olhava solidária e a médica concluiu: “É Bruna, agora é a força da mãe”. Foi como se tudo mudasse dentro de mim, a força da mãe! Meu grito foi diferente, a força e dentro de algumas contrações a cabeça da Alice mergulhou na banheira! Mais um empurrãozinho e seu corpo estava livre! Ela foi trazida até meu colo e a abraçamos com emoção. Nasceu às 2h51. Cantamos: Um mesmo sopro nos atravessou, e o que era desencontro se encontrou,Feito magia nos assemelhou quando a vida pulsou O Thiago cortou o cordão e ela foi acolhida com carinho pela pediatra. Recebeu todo o atendimento que precisava enquanto eu, ansiosa para vê-la, esperava pela saída da placenta! Foi tudo sincronizado: a placenta saiu, me levantei e ela voltou para meus braços. Ficamos encantados a admirá-la.
Ela nos meus braços, eu nos dela, sentíamos o nosso cheiro, nos reconhecemos, ela resmungava baixinho, em pouco tempo estava mamando. Quanta beleza…
Depois de satisfeita fui tomar banho enquanto ela ficou nos braços no pai. A casa foi organizada rapidamente. Algumas fotos na cama, todos se foram. Ficamos nós três, sozinhos, deitados, abraçados, dormimos, acordamos, ficamos a admirá-la: era a nossa filha. Chegou ao mundo abrindo corajosamente seu caminho. Determinada, em um trabalho de parto de 4h30. Tão sutil e tão intensa. Verdadeira: Alice! E eu, mais forte, mais mulher, me sentindo muito satisfeita comigo mesma! Eu posso! Voltaria a cada instante delicioso daquela noite. Sou muito grata à toda equipe que nos apoiou; ao Thiago por ter sido homem, pai, companheiro, inteiro, presente; à pequena grandeza Alice que confiou em mim os primeiros instantes de sua vida; à minha mãe que permitiu ser filha, me permitiu ser mãe, me permitiu ser eu! Relato escrito em 18/05/2011.