O nascimento do Ravi Cristal :: por Marianne
Published by Denise Cardoso on
É certo que a gestação mudou o meu ver sobre a vida. As transformações físicas dia após dia, a conexão que vai se formando desde o comecinho, as emoções a flor da pele, a proteção e o zelo da barriguinha ao barrigão, a noção e realização de “família”. Sobre a grandiosidade de ser mulher e ter no ventre, a possibilidade de gerar o ser mais belo, puro e macio que já toquei. E poder mergulhar dentro de mim mesma durante o pós parto, me enfrentar e me conhecer, enxergar novas possibilidades e aceitar o que vem e o que vai. A maior parte desse relato escrevi dia 27/10/2017, dez dias depois do Ravi nascer, mas hoje, neste começo de 2019, resolvi editá-lo com alguns detalhes que esse tempo me permitiu constatar.
Foram 40 semanas e 6 dias de muito amor. De viagens e encontros mágicos, de ultrassons emocionantes, desejos não tão estranhos porém intensos, de alegria e poder por gerar e nutrir, de mimos por tudo quanto é lado, de medo de dar algo em relação à toxoplasmose, de arrependimentos e culpas, de ansiedades sobre como a vida fluiria depois do nascimento, e com certeza muito medo do parto. Mas acima de tudo, felicidade e gratidão pela gestação tranquila que me permitiu realizar e curtir muito o período junto ao meu companheiro, junto aos meus dois amores, daquele amor que chega a doer o peito.
Quando passamos da data prevista, já quase não havia mais nada a fazer, a não ser ouvir os parentes ansiosos perguntando 5x ao dia se o bebê já não era pra ter vindo. O quartinho estava pronto, casa limpa, cachorra cheirosa, lista de materiais de parto comprados e… o que eu podia me ocupar era com algumas faxinas, que funcionavam como terapia para as ansiedades.
Havia duas semanas, sentia dores nos ossos das costas e quadril, dor de abertura. Mas nada de tampão, nariz inchado (sim, me disseram isso), barriga pra baixo…
Saímos pra comer na casa de amigas, fomos ao cinema. Cabeça distraía, mas confesso que já estava cansada de esperar. Mental e fisicamente.
No domingo, namoramos à noite e pensamos que isso poderia dar uma forcinha ao trabalho de parto. Se ajudou ou não, 9h da manhã da segunda, dia 16 de outubro, acordei sentindo uma aguinha molhar meu pijama. Chamei o Fê pra olhar, comemoramos com alegria. Também tinha um pouco de sangue. “Vai ser hoje”, pensei.
Nisso já mandamos mensagem com essas fotos todas pra Denise e Anita, minha anja parteira e minha doula, a quem sempre terei muita admiração e gratidão.
A princípio eu estava um pouco encanada com o sangramento, mas no fundo sabia (e elas me orientaram) que era muito normal.
Denise a caminho com a outra anja Ana Lídia, doula e aprendiz de parteira. Eu e Fê tomando um lindo e reforçado café da manhã.
Comecei a sentir as primeiras contrações por volta das 10h. Eram cólicas bem fraquinhas, como quando sangrei pelas primeiras vezes aos 11 anos de idade.
A Anita chegou pra dar apoio logo, começamos a organizar as coisas para o almoço e ela marcava as contrações no app do celular. Tinha que categorizar em muito leve, leve, moderado, forte e muito forte. Por enquanto era muito leve, aconteciam de 7 em 7 minutos em média, mas logo perdiam o ritmo.
O Fê foi fazer umas comprinhas e depois ainda passeamos com a Antônia pra comprar ração. Chegamos e logo em seguida a mulherada chegou! O dia em que elas entrariam em casa pra me ajudar a parir tinha chegado, eu mal podia acreditar!
Almoçamos bem, trocamos ideia, escutamos o baby através do sonar. Cochilei com o Fê e acordamos para comer tapioca. Parece que a fome nunca passava, rs!
Foi feito o primeiro toque: uma sensação estranha! Estava com 2 de dilatação. Logo após, a Dê iniciou um momento místico: tirou as runas. Eu mentalizei boas energias pro parto, e escolhi a pedrinha. O que saiu foi: Ehwaz, que simplicando bem, trazia uma mensagem do tipo “uma mudança está por vir, e ela vai mudar toda a sua rotina, e trará por fim energias boas e motivadoras”. Hoje revendo isso fico arrepiada! Uau!
Depois, fomos pra sala e eu comecei os exercícios com a bola. Pulava, girava e revezava no colchonete fazendo a pose do gato e me concentrando nas respirações. Ana Lídia batucava seu tambor e cantamos músicas xamânicas que davam muita força. Também cantamos Daniela Mercury pra dar uns fôlegos haha!
O Vini, músico, e a Vivian, fotógrafa, chegaram mais tarde. Fizemos música, fotografia e eu nos exercícios, parando entre uma contração e outra, que já estavam no grau “leve”, porém ainda sem ritmo.
Já eram por volta das 10 da noite e nada de diferente acontecia em meu corpo… eu ja tinha entendido era um processo demorado, mas não aguentava mais esperar! Estava comendo bastante e me hidratando tbm, ciente de que isso me traria forças mais pra frente, mas que horas seria isso??? La pelas 11 e meia todo mundo foi embora, a pedidos da Denise, nossa amada bruxona, que sacou que se esse rolê todo não acabasse por hora, o trabalho de parto não engatava. Inclusive a De e a Ana que foram levar a Vivian na casa dela. O Vini foi dormir na Anita. Assim que tivesse um avanço no trabalho de parto, avisaríamos para todos voltarem.
Foi aí que eu e o Fê fomos tomar uma ducha e eu senti duas contrações bem mais fortes e menos espaçadas. Saí do banho, me debrucei na cama em lágrimas e disse “eu sei que demora, mas não aguento mais esperar, amor… eu quero parir, é pedir muito pra parir???”. E ele me confortava fazendo carinho e dizendo pra eu chorar, por pra fora a angústia. Nessa hora me vinha forte as imagens das minhas avós, que pariram vários filhos naturalmente em sítios…
Bem, a partir daí, o trabalho de parto realmente começou. As contrações vinham ritmadas, num espaço de tempo menor e num nível intermediário. Tudo que está escrito a partir daqui, eu não tenho muita certeza da ordem. A partolândia me dominava.
Sei que logo a Anita e o Vini voltaram. Eu tomei ducha no banheiro, sentada na bola. Não conseguia achar mais posição, apenas esperava a onda da contração chegar e ora me retorcia, ora ficava parada, ora me punha de quatro no chão, me agarrava no Fê ou na Anita. Eu lembro muito de vários momentos em que eu olhava pra ele e falava baixinho: dói demais, amor, dói muito, e sentia vontade de chorar. Ele falava que eu era forte e ia aguentar. Voltei pro quarto, parece que tinha esquecido que havia planejado parir na sala. Com piscina e tudo montada. Nesse momento, eu não queria mais registro fotográfico de nada. O único registro era aquele que estava sendo feito na memória do meu útero, do meu coração e mente. Eu me recolhi no quarto, me retorcia em cima da cama me apoiando com a bola nas costas, ia pro chão e ficava nos 4 apoios com meu corpo todo doendo, principalmente a barriga, a lombar e as mãos. Não consigo lembrar da dor (a natureza é ótima né!) mas sei que era algo muito forte na barriga e ia pras costas. Só levantei mais uma vez pra ir pra ducha novamente.
Na minha cabeça, eu só precisava resistir a aquilo tudo, mas parecia que não tinha mais solução. Só conseguia reclamar de dor. A De chegou uma hora e disse pra eu entrar na onda da contração e deixar ela me levar…
Ninguém falava com ninguém. Era silêncio e zelo comigo. A todo minuto me davam água, água com mel e água com sal (soro). Punham compressa quente na minha barriga, mas parecia doer até mais. Faziam massagem nas minhas costas, nos meus punhos. Tinha horas que eu ficava com raiva de todo mundo, porque nada fazia apaziguar aquela dor. A De fez outro toque e já estávamos com 7 de dilatação (creio que era umas 2 ou 3 da manhã), com ótimos batimentos e ótima posição, o que me dava mais forças pra continuar firme.
Quanto mais eu conseguiria aguentar? Eu estava confiante, mas às vezes batia medo de não conseguir. Ja estava ficando cansada, pressão parecia baixa… Ana Lídia veio com seu poderoso tomate com shoyu porreta.
“Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio” essa frase pra sempre estará gravada em minha memoria, pois era a música que, em sincronia com o que eu sentia, o Vini tocava. Em vários momentos, eu o ouvia cantando com o violão ora leve, ora mais pesado, e me alimentava de força e esperança.
E então a Dê fez mais um toque e tchum, eu não acreditava ouvir que tinha dilatação total. Estava chegando a hora!!! Ela me perguntou se eu sentia vontade de fazer força, mas eu não sentia nada além da dor quase me derrubando.
Foi aí que agilizaram a banqueta de parto pra eu sentar. De repente, a Denise estava com look de parteira e estava lá, na minha frente. E por lá fiquei durante minutos (ou horas?) sentindo as contrações mais intensas, ao mesmo tempo tinha que fazer as maiores forças da vida. Em vários momentos, lembro dela me falando pra eu aterrar os pés no chão, sentir a força da Terra, puxar essa força por meio de um fiozinho que estava dentro de mim. Mandar essa força pro ventre. O Fê estava atrás de mim. E assim ele veio, deslizando nas mãos da Denise. 5h22 da matina, os pássaros começando a cantarolar em plena Primavera. A Antônia, nossa dog, uivou lá de fora ao ouvir o choro. Era um nenêzão, o mais lindo recém nascido que já tinha visto, com um cheiro muito gostoso. Chorava demais. As contrações continuaram e logo a placenta nasceu.
Na minha cabeça se passava “EU consegui, velho! Eu consegui parir ele naturalmente e em casa, p****”. E ao mesmo tempo morrendo de calor, com a pressão meio baixa, com aquele pequeno ser gritando, cordão umbilical até a placenta que estava do meu lado numa bacia, o Felipe atrás de mim sem boa posição. Continuamos ali por um tempo, suando frio, pedindo ventilador na cara, em meio aos cobertores que embrulhavam nosso pacotinho. Fiquei ali admirando essa cena por um tempo, também me sentindo a mulher mais forte do mundo.
E hoje, ao reler esse relato tantas vezes, Ravi com 1 ano e 3 meses, só posso agradecer por todos os desafios que passei até hoje. Aos que me fizeram rir, chorar e cair de cara no chão. Aos novos entendimentos que deram aos meus sentimentos e a vida.
O parto foi um ritual, um desafio enriquecedor e um treinamento poderoso pra todos os partos diários que passo durante a vida pós parto. A criação tem lá os seus grandes desafios e é maravilhoso viver e reparar nesse encorajamento diário que é o gestar, o parir, o criar!
Só posso agradecer a equipe da Denise, nossa parteira e cumadre, que me tratou com imenso respeito, carinho e amor. Estou arrepiada e torço muito para que todas mulheres possam receber tratamento digno durante esse processo que nos é natural.