O nascimento do Vicente :: por Izabelli
Manhã de outono de 2017, as 5h59 da manhã me sentei muito grávida com vontade de fazer xixi, as 6h da manhã meu xixi começou a escorrer involuntariamente. “Estou fazendo xixi na calça” pensei e tentei correr pro banheiro, desisti de correr e senti aquele líquido escorrendo, tão quentinho e bem mais grosso que um xixi. “Minha bolsa estourou”, e comecei a rir baixinho.
A casa ainda meio escura, aquele silêncio que antecede o amanhecer, dentro de mim havia uma paz desconhecida, eu sabia que ele ia nascer logo, quer dizer, “agora em algum momento ele vai nascer MESMO”. Avisei minha mãe, que enlouqueceu. Saiu correndo pro quarto e acordou minha irmã, “O Vicente vai nascer, vamos limpar a casa”, começou uma faxina épica que só teve fim umas 9h da manhã.
Ainda 6h e pouco liguei pro Caio que tinha vindo para o último chá de bebê que havíamos planejado com nossos amigos para aquele dia, 8 de abril. “Oi caio, minha bolsa estourou” “Sério?” “Não, estou te ligando as 6h da manhã só pra zoar. É sério sim” “E agora?” “Agora você descansa mais um pouco e vem pra casa depois que acordar que eu vou ligar pra Denise”.
Liguei pra Denise, que com sua voz suave e risinho engraçado me disse pra tomar um café bem reforçado que ela já estava a caminho. Eram 7h e eu até tentei comer mas começaram as contrações e eu não consegui. Comecei a andar com um desconforto, abracei minha mãe e chorei um pouco.
A Denise chegou com a Vanessa, e começou a fazer alguns exames e propor alguns exercícios comigo, avisaram minha doula-amiga Bruna, que estava em Sorocaba. Minha mãe saiu buscar a avó e comprar coisas de mercado. Preparamos um altar, fiquei andando dum lado pro outro, a pressão caiu, tive que deitar (nessa hora foram as piores contrações), a Vanessa me acompanhava pra todo lado, me dando as mãos para eu acocorar.
Minhas contrações estavam bem ritmadas desde as 7h da manhã e iam progredindo de frequência e intensidade. Eu não via as horas passar, estava imersa num mar de pensamentos e de sensações e de vontades e de impulsos.
Caio chegou, minha avó chegou, a Bruna chegou. Todos almoçaram enquanto a Bruna massageava minha lombar (que parecia que ia expandir pro infinito), e me dava tomate picadinho com shoyu porque minha pressão ainda oscilava. Lembro dessa massagem forte que parecia tirar fogo de mim.
Tentei comer mas nada descia e passei a vomitar muito. Fizemos dois exames de toque e minha dilatação progredia junto com o ritmo das contrações que se tornavam mais intensas. Chegou Ana Lidia, mais uma doula-amiga que acompanhou minha gestação inteira. Começou a tocar tambor e fui pra bola no chuveiro e não quis mais sair. Alívio total na água que me tirou a roupa e toda a vergonha que eu sentia do meu corpo desconfortável, pesado e inchado.
Meu gatinho Tui me seguia para todo lado, o tempo todo. Fomos para sala, eu só com uma camisetinha e todos sentaram em roda. Ali ficamos por mais de duas horas, cantando e fazendo orações e de repente a dor mais profunda que já senti se interiorizou totalmente pra um silêncio enorme.
Eu me lembro de pensar “se entregue para a dor” e quando o fiz, ela sumiu, e me conduziu pra um mundo imaginário e maluco com milhares de estrelas explodindo. Eu sentia meu peito respirando e ao fundo o som e a voz da Ana Lidia, me sentia no umbigo do mundo, uma pulsação e uma respiração, e de repente uma força vinda do céu, meu expulsivo começando.
A barriga se remexia e se contorcia em formas variadas e a dilatação era total. Minhas pernas doíam tanto que não conseguia ficar de pé e me apoiei nas pernas do Caio que ficou o tempo todo ali me segurando por trás no sofá, sentia vontade de fazer força mas um cansaço enorme não deixava.
Denise verificou o Vicente e seus batimentos cardíacos começaram a cair, eles também estava cansado e já eram 16h. Ela disse “é hora de irmos pro hospital”, lembro que tentei fazer uma forcinha para que ele nascesse ali, em casa, como eu queria, e então minha parteira amada disse “força para levantar, vamos agora”.
Entramos no carro e lá fomos nós, as 16h30 dum sábado para a Maternidade com a criança já coroada. Foi um filme esse momento, daí lutando para não fazer força. Chegamos no hospital, todos os enfermeiros enlouquecidos, tiveram que me examinar, “dilatação total” foi constatado, e sobe com ela na cadeira do rodas pra sala de parto.
Ali chegando, uma cadeira vertical onde eu subia e apoiava os braços e ficava meio que suspensa mas apoiada, parecia o paraíso. Subi, me apoiei, e na primeira força que fiz senti sua cabecinha passando, “Eu estou vendo ele”, disse o Caio.
Na segunda força senti seu ombro e daí ele escorregou. Foi incrível e maravilhoso. O Vicente não chorou, estava muito cansadinho. Teve que ficar num bercinho aquecido e enquanto isso nasceu nossa placenta, o Caio o acompanhou e meia hora depois ele veio pros meus braços.
Tão pequeno, meu ariano gorducho e nossa lua de leite! Lá embaixo festa, minha avó e mãe chorando, se abraçando, a essa altura todos nossos amigos já sabiam porque estavam aguardando o chá de bebê. Foi um pouco cansativo receber a todos, mas divertido.
O silêncio permaneceu e a força do meu trabalho de parto permanecem me aquecendo, pela mulher que me transformou e fez nascer uma criança.